Curadoria
A MEMÓRIA DO CORPO
“A memória é contrária ao tempo.
Enquanto o tempo leva a vida embora como vento,
a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos".
Adélia Prado
"Quando, no amor, peço um olhar, o que há de fundamentalmente insatisfatório
e sempre falhado, é que – jamais me olhas lá de onde te vejo."
Jacques Lacan
A mostra “CORPO m-e-m-ó-r-i-a”, proposta em comemoração aos 70
anos da Ufes e parte integrante das V Jornadas da Escola Brasileira de
Psicanálise – Leste-Oeste, pretende implementar e contribuir com o
desenvolvimento cientifico e cultural do estado do Espírito Santo, em um
encontro especial da população capixaba com obras em desenho, pintura,
fotografia, tecelagem e escultura de oito artistas com diferentes trajetórias,
distintas maneiras de entender, pensar e produzir a arte, que abordam em suas
obras diferentes técnicas e poéticas.
“CORPO m-e-m-ó-r-i-a” teve como ponto de partida a convergência
entre arte e psicanálise incluindo os conceitos corpo, traço, memória, onde
cada disciplina – tanto a arte, quanto a psicanálise – trabalha ao seu próprio
modo, como esses três conceitos se relacionam e se interpenetram. A memória
segue os traços inscritos no corpo vivificado que podem ser encontrados pelo
ser falante em análise ou mostrados por meio das distintas técnicas da arte
visual.
A mostra conta com sete artistas capixabas com formação e atuação no
Centro de Artes desta Universidade: Attilio Colnago, com pintura; Clélia Soares,
com pintura, fotoperformance e vídeo; Dilma Góes, com tecelagem sem tear;
Fabíola Menezes, com desenho; Juliana Pessoa, com desenho; Rosana Paste,
com escultura; Thiago Arruda, com gravura e com o artista e fotógrafo natural
de São Paulo – Marcelo Macaue.
O universo dos artistas participantes busca abordar uma gama de
aspectos formais, possibilidades reflexivas, expressivas e performativas, assim
como os aspectos formais, por meio das diversas técnicas, criando um diálogo
entre os próprios artistas participantes e o público. Enfim, um trabalho lento,
realizado para muito além do prazer do artista, mas por uma necessidade
interna, desmensurada, que se não cumprida, sufoca. Um tempo para acessar
memórias físicas ou mentais, espaços concretos ou metafóricos, tempos
cronológicos ou afetivos. No artista, o corpo-memória, agora tornado em
objetos de arte, geram metáforas que, se experienciadas, podem transcender e
criar conexões entre aquele que se mostra com o corpo daquele que mergulha
no objeto criado.
Nesta mostra, a junção de arte e psicanálise se faz pela forma com que
cada artista lida em seu fazer com o corpo e suas interrelações; afinal, o que é
a criação-memória senão o próprio objeto a, vazio, proposto por Lacan e, na
prática, procurado por todos? Diante do vazio, artistas criam, pois assim a arte
se torna a incessante busca pelo que não se tem e, ambiguamente, nesse
tempo se busca o “mais além” no próprio tempo que se esvai calmamente.
Nesse mesmo sentido, para a psicanálise, de acordo com os termos do próprio
Lacan no Sinthoma “as pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um
dizer”. O corpo, afetado por traços significantes, torna-se então falante, pelas
contingências do dizer silencioso da pulsão, produzindo acontecimento de
corpo, fruto de um discurso sem palavras que deixa efeitos permanentes,
nomeados por Lacan como efeitos de gozo.
A mostra “CORPO m-e-m-ó-r-i-a ” é um convite para entabular um
diálogo com as obras destes artistas, que têm em sua trajetória o corpo e a
memória como elementos inerentes à sua produção, que atualizam o
significado e a importância da contemporaneidade e levam o público a
perceber e pensar as diferenças e coincidências que permeiam a produção de
arte no estado do Espírito Santo.
Attilio Colnago e Claudia Murta
9.2024